Queria saber como é o curso de medicina na USP. Em que ano os alunos começam a atender pacientes? Dá pra atender antes? Quando começam os estágios?
O curso é bem prático? Quero saber tudo!
O primeiro post da série “Como é estudar na USP” foi publicado no Resumov pelo estudante do 4o ano da USP Pinheiros Rodrigo Vieira Soares, turma 103.
Foi um texto conciso e uma delícia de ler.
_Início da manhã. Levanto. Arrumo. Roupa, sapato. Rua. Chego ao InCor, Instituto do Coração, vinculado ao Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo…_
Texto continua no Blog.
E ai, pessoal, tudo bem?
Me chamo Rafael, sou aluno da 103ª turma da medicina USP e atualmente curso o 4º ano da faculdade. Vi que existem algumas dúvidas em relação ao curso, então vim dar um depoimento de como as coisas acontecem por lá.
Bom, primeiramente gostaria de destacar que eu pertenço à primeira turma da reforma curricular da FMUSP, então minhas experiências são mais parecidas com as que vocês se depararão quando entrarem aqui… Mas o que é essa tal de reforma curricular?
Tradicionalmente, o curso de medicina é dividido em três ciclos: básico, clínico e internato. Nessa divisão clássica, o aluno primeiro estuda como funciona o corpo humano sadio, depois se atenta aos processos de adoecimento e, então, aprende as condutas de tratamento e assistência.
Na Medicina USP, pode-se dizer que os dois primeiros ciclos foram fundidos (a fim de garantir uma maior integração entre as matérias), resultando no aparecimento de algumas coisas clínicas logo no primeiro ano de faculdade. Mas, atenção, isso não quer dizer que desde o início a gente entra muito em contato com o paciente, apenas é dada uma pincelada das aplicações clínicas do conhecimento básico.
A matéria responsável por essa integração entre clínica e básicas se chama “Discussão Integrada de Casos”, apelidada carinhosamente de DIC. Nela temos uma metodologia mais ativa de conhecimento, sendo uma mistura entre o método tradicional, o PBL e o TBL. Basicamente, recebemos casos clínicos com perguntas orientadoras que vão desde a bioquímica básica até políticas públicas de saúde, assistimos autópsias e temos aulas de humanização. DIC é a grande clínica que temos no primeiro ano da faculdade, acompanhando a gente até o quarto ano e mudando de formato a medida em que vamos progredindo no curso (saudades DIC primeiro ano )
Uma coisa curiosa desse currículo novo é a Anatomia. Todo mundo que cursa medicina acaba tendo uma grande curiosidade pela anatomia e espera entrar em contato com ela desde os primeiros dias da faculdade. Pois bem, na USP é um pouco diferente…
Como eu disse, o currículo novo visa integrar as matérias, então passamos a ver tudo por módulos (as famosas unidades curriculares - UC). Nesse modelo de currículo, acabamos estudando tudo por sistemas que, ao decorrer do curso, passam a ser as especialidades médicas que estamos acostumados a conhecer. Portanto, a anatomia só aparece quando estamos estudando determinados sistemas orgânicos, os quais acabaram ficando concentrados no segundo ano do curso.
O contato com pacientes começa também no segundo ano da faculdade. Na disciplina de “Propedêutica Clínica” aprendemos a tirar as histórias dos pacientes (a famosa anamnese) e a fazer o exame físico completo. Nela também começamos a desenvolver nosso raciocínio clínico, focando em associar e predizer achados da história e exame físico a possíveis diagnósticos. É realmente uma fase bem gostosa do curso, porque uma vez por semana, com toda a certeza, colocávamos nossos jalecos e estetos e realmente nos sentíamos médicos.
Ah! Vale lembrar que é possível ter um contato com pacientes antes por meio das Ligas Acadêmicas. Elas são atividades extracurriculares de extensão que se propõem a atender a população e discutir temas de determinadas especialidades, sempre guiadas por professores responsáveis. Nem todas são abertas para os primeiro anistas, mas várias já introduzem os calouros à prática médica logo no início da graduação.
Durante o terceiro ano temos menos contato com pacientes, já que o foco dessa fase é que tenhamos uma quantidade maior de conteúdo relacionado às especialidades médicas - nesse ano só temos algumas propedêuticas e elas são bem específicas (Neuro, Cardio, Dermato, Cirúrgica). Como disse, o terceiro ano é um intensivo de teorias, portanto foi o mais difícil até agora.
Vou listar quais matérias a gente teve (isso se eu lembrar de todas) para que vocês tenham noção da quantidade de conteúdo que foi: pediatria, geriatria, gastroenterologia, nefrologia, neurologia, moléstias infecciosas (infectologia), reumatologia, imunologia clínica, hematologia, oftalmologia, otorrinolaringologia, cirurgia da cabeça e pescoço, cirurgia plástica, dermatologia, fisiatria, endocrinologia, ortopedia, obstetrícia e ginecologia.
Mas calma, tem um motivo para esse intensivo de matérias durante o terceiro ano. Ele é feito para que a gente esteja com uma noção do geral de cada especialidade para colocar tudo em prática a partir do quarto ano.
Há quem chame o quarto ano de “pré-internato” e ele realmente está sendo mais ou menos isso. Nesse ano, minha turma está dividida em 8 grandes grupos que se alternam em diferentes matérias ao longo do ano. Cada matéria tem uma pegada diferente, mas o intuito principal de todas é colocar os alunos em um contato intenso com os pacientes.
Meu grupo começou em Ginecologia e Obstetrícia - matéria que terminei na última sexta-feira. Esse curso teve uma carga de meia teórica e meia prática.
No início do semestre passei durante duas semanas na obstetrícia, entrando em contato com importantes temas relacionados à gestação e puerpério. Foi nesse meio tempo que vi meus primeiros partos (só faremos no quinto e sexto ano), acompanhei consultas de pré-natal, estudei sobre ultrassom obstétrico e vi gestações de alto risco que são o foco dos atendimentos no Hospital das Clínicas.
Nas duas semanas seguintes passei pela ginecologia. Nela a gente tinha bem mais autonomia e atendíamos as pacientes. De manhã ficávamos nas especialidades ginecológicas acompanhando atendimentos, tirando histórias, fazendo exame físico e até alguns procedimentos (tudo dependia da boa vontade do professor e, obviamente, da permissão da paciente). De tarde, éramos responsáveis por fazer algumas consultas de triagem para os ambulatórios de especialidades da manhã. Era o momento em que a gente era mais autônomo, tínhamos que fazer anamnese ginecológica completa, exame físico e tecer hipóteses diagnósticas corretas. Embora estivéssemos sob a supervisão de algum médico assistente, a gente realmente se sentia médico das pacientes, foi muito legal.
Depois dessas 4 semanas, tive outras 3 de teoria. As aulas serviram como uma grande revisão para o ano que vem, quando entramos no internato.
Ah, o internato! Ele consiste nos dois últimos anos da faculdade, momento em que passamos a ficar no hospital e a ter menos aulas teóricas. Nessa fase, temos que dar plantões, evoluir enfermarias, fazer atendimentos ambulatoriais. É como se fosse dois anos de estágio para que então possamos realmente atuar como médicos. Não vejo a hora dessa fase chegar!!!
Bom, acho que escrevi demais já hehe. Espero que tenha dado pra ter uma noção de como é a Faculdade de Medicina da USP, nossa querida Pinheiros.
Se houver mais dúvidas, comentem aí que, conforme eu tenha tempo, eu vou respondendo e contando mais de como é o curso.
Abraços,
Kano 103
Olá Rafael! Adorei o seu depoimento!
Tenho medicina como uma terceira opção, mas o que me trava é uma dúvida que ninguém tira é a seguinte: Eu não tenho problema com cadáveres, mas passo muito mal em ver acidentados, etc sendo assim não é uma área para mim né? Desculpe a pergunta boba e agradeço se puder responder!